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Terence Trent D'Arby

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Terence Trent D'Arby 'Sign Your Name' 1987 São seis horas, ela deve estar a chegar. Já é quase noite. O verão já é uma memória e o crepúsculo chega cada vez mais cedo. A hora dos cansados como no conto do Vila-Matas. Isto é só mais uma das coisas que mudaram. Agora falo sozinho. E quando leio  também o faço em voz alta. Há um ano atrás achava ridículo quem o fazia, mas desde que fiz o transplante de coração muita coisa tinha mudado, podia dizer-se que eu era outra pessoa. Era como se o novo coração tivesse trazido agarradas emoções, sentimentos, gostos do anterior inquilino. Eu sei que é uma estupidez, é um músculo, uma bomba, mas o que é certo é que se antes os meus hábitos de leitura se resumiam às revistas no dentista, Holas de 1982, e à bula dos medicamentos quando estava na casa de banho, agora sou um leitor compulsivo de romances e até já me aventurei pela escrita enviando uns poemas para os Anuários da Assírio & Alvim. As minhas experiências musicais eram duas

Sugarhill Gang

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Sugarhill Gang 'Rapper's Delight' 1980 Era a primeira vez que voltava a casa desde a morte da minha mãe. Ao contrário do que costumava ler nos romances que enchiam as paredes lá de casa, ela, a casa, não me pareceu mais pequena ou mais triste, pareceu-me mais desarrumada. A única luz provinha da televisão na sala. Estava ligada, a dar o Domingo Desportivo, mas não havia ninguém na sala. Ouvia música vinda do quarto dos meus pais. O meu pai continua a comportar-se como se fosse um adolescente. Tem quase sessenta anos e  continua a considerar que não se deve comportar como um adulto. Isso põe-me doido. Durante o liceu se algum colega ia lá a casa ele plantava-se no quarto connosco a falar de música, a perguntar se alguém queria fumar liamba que o primo Delfim lhe tinha trazido de Angola. Embora todos achassem o máximo, eu odiava tudo aquilo. Caramba, pai, não achas que já é altura de cresceres? E a mãe, perdida nos seus livros, encolhia os ombros e dizia, sabes como é o te

Wings

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Wings 'Silly Love Songs' 1976 Eu daria a minha vida pelo partido. Eu dei a minha vida ao partido. Desde que era ainda um puto e ajudava o meu pai a distribuir propaganda aos operários, ao curso de advocacia que tirei para ajudar os camaradas presos em Peniche ou no Tarrafal, todas as minhas acções e pensamentos têm sido graves,  revolucionários, progressistas. E passados quase dois anos dessa gloriosa manhã de Abril, apesar de os ventos já não estarem tão favoráveis, todas as minhas forças continuam a ser usadas para,  juntamente com alguns dos meus camaradas, os mais resilientes, andar pelo país a educar o povo, que unido jamais será vencido, através dos textos e canções da revolução. Qualquer carro de bois serve de palco improvisado para onde salta um qualquer camarada Barata Moura e cantamos a uma só voz  'cravo vermelho ao peito' . Por isso é que me afligiu esta estranha vontade que senti quando cheguei a casa hoje pela noitinha. Eu sei que devia pôr um disco do

Prefab Sprout

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Prefab Sprout 'Hey Manhattan!' 1988 Eu sei que me acontecem coisas bizarras mas acabar uma relação como se fosse uma cena de um filme do Woody Allen não estava mesmo à espera. Ela a dizer-me que ia estudar um ano para Londres, que me amava e que eu devia aprender a confiar mais nas pessoas era a cena final do  Manhattan cuspida e escarrada. É certo que a relação já estava condenada quase desde o início mas o meu cansaço deixou a coisa arrastar-se. Ambas queríamos partir, os destinos é que eram diferentes. Ela queria ficar o mais perto possível dos pais e amigos, eu quanto mais longe melhor. Estava farta do 'ela é assim mas até é boa rapariga e muito nossa amiga'. Ou de ser uma medalha no peito dos amigos mais modernaços, daqueles que se orgulham em público de ter amigos de cor ou homossexuais mas que na intimidade vestem o seu fato mais cinzento. Eu  bem via nos seus olhos o embaraço quando eu pegava na mão da minha namorada, ou fazia tenção de lhe dar um beijo, em

Run DMC

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Run DMC 'Walk This Way' 1986 Só mais uma cerveja, vejo o resumo do Porto e vou p'ra casa. 'Olha aí mais um fino. O quê? Sim, pode ser no mesmo copo'. Este cabrão quer poupar no detergente.  Hoje não demos hipóteses aos checos. Três secos. Ainda vamos ser campeões europeus...  naaa, mesmo com o Madjer e Futre a jogar p'ro mundial é areia demais para a nossa camioneta. 'Põe a  música mais alto ó Manel'. Esta é fixe. Curto tótil a guitarrada. Já não se faz música assim. Os chavalos agora só ouvem merda. O rabeta do meu filho agora ouve a merda dos Pet Shop Boys e vai ouvir  martelinhos para as discotecas. Foda-se. Tenho tantos discos fixes em casa, Doors, Pink Floyd, Frank Zappa, e o raio do miúdo só ouve merda. E não é que não tenha opções, continua a sair música boa. Outro dia o Toni  mostrou-me um disco novo que ele tinha comprado, acho que os gajos se chamam Cult , e a música era muito fixe. Mas o gajo não quer saber, é só sintetizadores e merdas d

A.C. Marias

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A.C. Marias 'One Of Our Girls (Has Gone Missing) 1989 Há coisas mais importantes para um puto de 15 anos fazer do que estar deitado na cama a olhar para o tecto? Não, não creio que haja. A minha mãe não partilha da minha opinião. Vai lá para fora, diz ela, vai andar de bicicleta com os teus amigos, não percebo o que ficas a fazer o dia todo deitado na cama. Nada, não faço nada. Não penso em nada. Fico só deitado a olhar para o tecto. Não deve ser muito diferente do que passar as noites no sofá com uma garrafa de genebra a ver a Sassaricando. Tem sido assim desde a separação no início do ano. Deve ser alguma coisa que anda no ar, na minha turma já somos p'rai uns doze filhos de pais separados e até a União Soviética se separou do Afeganistão. Mas parece estar a melhorar, a semana passada os alemães decidiram que estavam melhor juntos. De vez em quando ouço música quando estou deitado a olhar para o tecto. Hoje estou a ouvir este  álbum que a minha irmã mais velha me gravou.

Radar Kadafi

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Radar Kadafi 'Prima Donna' 1987 Quantos verões ainda te restam?  Os rochedos onde o teu pai estendia a toalha na praia de Lavadores. As sanduíches comidas com os primos depois do banho com os dedos engelhados e a cara arroxeada. O calor sufocante do Douro em agosto numa aldeia ali para os lados de Baião. Os livros dos Cinco, primeiro, e os do Somerset Maugham, mais tarde, lidos de fio a pavio em noites em que parecia que os  40 graus do dia persistiam. Noites em que sonhavas ter a  Deborah Kerr nos teus braços ou tocavas  tambor para a  Brigitte Bardot dançar. Usar as transmissões do Tour De France como alprozalam para anos mais sombrios em que o mais importante era enganar as angústias. Gravar cassetes no quarto com as persianas corridas cheias de canções apaixonadas para amores que ainda feriam . As aventuras alcoólicas nas  ruas da Madrid que te matava. Os degraus intermináveis para chegar a uma  praia deliciosa algures na costa alentejana. Deitado na toalha ao lado