cartografias musicais

Archie Shepp 'Attica Blues' 1972 No verão de 1971, na América do Nixon, os homens presos em Attica revoltaram-se e tomaram o poder na cadeia exigindo mais direitos e melhores condições (a prisão estava sobrelotada, os banhos e o papel higiénico eram racionados a um por semana e um por mês). Iludindo-os com promessas de negociações e recorrendo ao lançamento de gás a polícia recuperou facilmente o controlo da situação. Mas os dias seguintes foram de um terror inexplicável. O Movimento dos Direitos Civis tinha conhecido no final dos anos sessenta uma inflexão, passando da integração não violenta para o dever de uma resposta musculada às tentativas de agressão, como defendiam organizações como os Black Panthers (um dos  temas incluídos no álbum é dedicado a um dos seus membros morto umas semanas antes de Attica na prisão de San Quentin). Por isso na sequência da rebelião de Attica, sendo os prisioneiros na sua esmagadora maioria negros, a policia, e o poder, quiseram dar uma l

Talking Heads 'Remain In Light' 1980 Brian Eno-David Byrne 'My Life In The Bush of Ghosts' 1981 David Byrne 'The Catherine Wheel' 1981 Os livros e os discos cruzam-se muitas vezes. É normal a partir de livros construirem-se canções ou álbuns, também acontece no sentido inverso, como por exemplo a 'Killing An Arab' canção dos The Cure inspirada no 'L'Étranger do Albert Camus, ou os álbuns 'Diamond Dogs' do David Bowie e o 'Animals' dos Pink Floyd inspirados em obras do George Orwell, '1984' e o 'Animal Farm' respectivamente. Já não é muito usual é um livro ser o ponto de partida para três álbuns mas foi o que aconteceu aqui. O fascínio do David Byrne pelos ritmos africanos, e pela dança a eles associados, que são a pedra desta sopa onde estão estes três álbuns, começou a borbulhar na cabeça do  ciclista nova iorquino depois da leitura, em 1979, do livro 'African Rhythm and African Sensibility - Aesthetics

Heaven 17 'Penthouse And Pavement'  1981 'The Luxury Gap'                   1983  Mil novecentos e oitenta, Sheffield. Dentro de um pub, abrigados da chuva, dois homens conversam: "Ouviste ontem as notícias? Quem fizer greve tem um corte de 12 libras por semana e ainda leva com uma multa em cima." "Sim, ouvi. Aquela puta da Tatcher vai sangrar a classe trabalhadora até á morte. A Inglaterra está uma merda. O mundo está uma merda.  As nossas  canções têm que falar destas coisas, Martyn." "Sim, Ian, sim. Mas falando doutras cenas, como é que estamos quanto ao novo projecto? Ficaste de arranjar um nome, esta cena de British Electric Foundation é fixe mas é muito longo. E o gajo que conheceste para vocalista? Como é que ele se cham..." "O Glenn? É um porreiro e tem uma voz grave, dramática. Acho que vai resultar. Quanto ao nome acho que encontrei. Ontem estava a ver o 'Clockwork Orange' na televisão e saquei de lá este, Heaven

The Cure 'The Head On The Door'                      1985 'Standing On A Beach - The Singles'   1986 'Disintegration'                                      1989 As coisas até não começaram mal. Quando gravaram o primeiro álbum, 'Three Imaginary Boys' em 1979, ainda uns miúdos imberbes de borbulhas na cara, tinham pouca técnica no domínio dos instrumentos mas agarraram-se às canções e à pop e o resultado foi satisfatório. O pior foi quando decidiram ser uns moços angustiados e góticos e os álbuns passaram a ser mais uns estados de alma sonoros pintalgados com algumas canções pelo meio. Mas quando acertavam nas canções faziam-no em grande estilo, como, por exemplo, a  'A Forest'  do 'Seventeen Seconds' de 1980. E foram acertando nos vários singles, não incluídos nos álbuns, que foram lançando nesses anos mais negros, e que foram reunidos no excelente 'Standing On A Beach' de 1986. A unica que falta para ser imaculado, na versão e

The Pasadenas 'To Whom It May Concern' 1988 O termo boys band, que significa, grosso modo, um conjunto vocal constituído por moços novos, com canções orelhudas, que vende muitos discos e põe moças a puxar os cabelos e gritar, anda pelas ruas da amargura e alvo de muitos preconceitos. Isto é porque as pessoas associam sempre a grupelhos manhosos, que os há, com roupas foleiras e umas coreografias ensinadas por um jeitoso cuja formação foi ter visto uns episódios da Fame nos anos oitenta. Mas se pensarmos bem os Beatles foram uma boys band. E também, que são os grupos que nos interessam aqui no texto de hoje, o foram os Four Tops , os Temptations ou os Jackson 5, e hoje são formações clássicas respeitadíssimas. Os Pasadenas são também uma dessas bandas. Estouraram nos tops com o single de estreia,  'Tribute (Right On)' , e o álbum, 'To Whom It May Concern', confirmou as boas expectativas deixadas pelo single. Dominado pelo som soul/pop característico da Motown

Serge Gainsbourg 'Aux Armes Et Caetera' 1979 Um francês de meia idade de fato não era uma visão habitual num estúdio em Kingston no final dos anos setenta. Foi com muita desconfiança que os músicos, o Sly Dunbar e o Robbie Shakespeare , antes de se tornarem famosos o que aconteceria nos anos oitenta, e o mítico Uzziah 'Sticky' Thompson, viram o Serge Gainsbourg entrar no Dynamic Sound Studios, com cabras pacatamente a pastar à volta e galinhas a passear por cima da mesa de mistura, para gravar o seu álbum de reggae. Mas passadas as desconfianças iniciais o trabalho correu muito bem e ficou pronto em 12 dias que o orçamento era apertado. Ao fim do dia juntavam-se para fumar, os músicos charros gigantescos e o sr Gainsbourg os seus inseparáveis Gauloises, e ouvir as  gravações , pontuadas por expressões de contentamento, 'Great! Brilliant!'. Mas como é um disco do Serge Gainsbourg não podia faltar a polémica. E ela surgiu quando a parte mais ressessa da socied

Pet Shop Boys 'Behaviour' 1990 Pelo fim dos anos oitenta, princípio dos noventas, dançavamos a euforia da nossa juventude no Swing até de madrugada. "She refused to be bored chiefly because she wasn't boring"  .Depois íamos tomar o pequeno-almoço e deambulávamos pela baixa deserta, cinzenta e tristonha numa manhã de domingo, era o mesmo noutros dias mas com mais gente e carros igualmente cinzentos e tristonhos, debaixo de uma chuva miúda omnipresente, no 205 da Armanda a ouvir  "You know it hurts me when you lie/ sometimes it even makes me cry"  . Nos fins de tarde em casa do João, um T0 em frente ao mercado do Bom Sucesso sempre cheio de gente, bebiamos vinho branco e discutiamos o 'Leopardo' do Visconti, o socialismo e  revoluções . O 'Behaviour' foi uma das bandas sonoras desses dias. Havia esperança, criatividade, festas mas também algum desencanto, melancolia e líamos nos jornais que uma doença estava a levar uns gajos que admirav