Terence Trent D'Arby

Terence Trent D'Arby
'Sign Your Name'
1987
São seis horas, ela deve estar a chegar. Já é quase noite. O verão já é uma memória e o crepúsculo chega cada vez mais cedo. A hora dos cansados como no conto do Vila-Matas. Isto é só mais uma das coisas que mudaram. Agora falo sozinho. E quando leio  também o faço em voz alta. Há um ano atrás achava ridículo quem o fazia, mas desde que fiz o transplante de coração muita coisa tinha mudado, podia dizer-se que eu era outra pessoa. Era como se o novo coração tivesse trazido agarradas emoções, sentimentos, gostos do anterior inquilino. Eu sei que é uma estupidez, é um músculo, uma bomba, mas o que é certo é que se antes os meus hábitos de leitura se resumiam às revistas no dentista, Holas de 1982, e à bula dos medicamentos quando estava na casa de banho, agora sou um leitor compulsivo de romances e até já me aventurei pela escrita enviando uns poemas para os Anuários da Assírio & Alvim. As minhas experiências musicais eram duas idas bocejantes a uma casa de fados que se transmutaram numa melomania que leva à compra de discos do Bill Evans , do Glenn Gould e bilhetes para a temporada sinfónica no S. Carlos. Mas, como escreveu Álvaro de Campos, sou um escravo cardíaco das estrelas. Se ganhei todos os sonhos do mundo, o novo coração tirou-me muito mais. Coisas importantes. Perdi a inocência, a alegria, a capacidade de me entregar ao amor sem reservas. Por isso estou aqui sentado na sala obscura à espera da minha mulher. Tenho os papéis do divórcio à minha frente e espero que ela assine o seu nome na linha pontilhada e me arranque do seu coração.

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